Imagine que um casal tenha uma vida normal, livre, e de repente eles são sequestrados e viram escravos. Alguns anos depois eles têm um filho. No aniversário de 15 anos dele, eles contam ao filho como era a vida antes da escravidão.
O filho se assusta e diz: “como assim uma sociedade onde as pessoas não são comandadas por um senhor de escravos?? Isso é impossível!!” Por mais estranha que essa história possa parecer, se você ainda acredita que a democracia representativa foi um avanço para a sociedade, muito provavelmente você é o filho dos escravos.
Preferência temporal
Inicialmente é bom entendermos o que é a ação humana. A base da economia Austríaca é a ação humana, então nada melhor que comecemos já sabendo desse conceito.
Todo ser humano age. Ao agir, visa substituir as coisas que lhe causam menos satisfação por coisas que causam mais satisfação. Por exemplo, eu estou fazendo esse artigo porque meu desconforto era saber do conteúdo e não poder passar isso para outras pessoas. Você provavelmente está aqui por ter o desconforto de não saber do conteúdo.
Bom, mas para satisfazermos nossos desejos, temos que escolher o momento em que vamos fazer isso. Todos nós queremos sempre satisfazer nossas vontades o mais rápido possível. No entanto, o ser humano foi a espécie que melhor aprendeu abaixar a preferência temporal. Ou melhor, aprendeu poupar dinheiro, por exemplo, para satisfazer suas vontades no futuro, com os juros.
Mas já parou para pensar no que exatamente interfere nessa preferência temporal?
Preferência temporal e civilização
Bom, agora vou te dar os 3 fatores que influenciam a preferência temporal. São eles: fatores externos, biológicos e pessoais. Então vamos agora detalhar cada um deles.
Externo
Primeiramente, os fatores externos são simples: pense que você guardou dinheiro para comprar uma casa. Podemos dizer que na hora da efetivação da compra sua preferência temporal para comprar uma casa estava alta. Mas um dia antes, você recebe a notícia que haverá um terremoto que vai destruir o bairro onde pretendia comprar a casa. Pronto, sua preferência temporal para comprar a casa abaixou totalmente.
[Sem spoilers]. Numa certa parte da série Vikings, o personagem x e vários outros personagens estão num barco quase à deriva, sem água e comida. De repente começa chover e todos ficam muito animados e nem se preocupam em guardar água num pote para poderem beber mais tarde. Ao verem a chuva, logo abriram suas bocas apontadas para o céu e beberam sem preocupações. Nesse caso a preferência temporal estava alta.
Após ter passado a enorme vontade, eles colocam tudo o que podem num pote para tomar mais tarde. Viu como é simples? Se quiser satisfazer suas vontades mais cedo, maior a preferência temporal; se quiser mais tarde, menor.
Biológico
Os fatores biológicos também são bem fáceis de assimilar. Quando se é criança, não é normal que você pense em renda fixa, variável ou previdência privada, não é? A preferência temporal de crianças é altíssima e eles só pensam na maior satisfação possível a todo momento.
Quando mais velhos, percebemos que nem tudo é na hora que queremos. Começamos a pensar mais a longo prazo, guardamos dinheiro e estudamos para no futuro sermos pessoas mais satisfeitas.
Na velhice, queremos usar toda nossa aposentadoria em viagens e aproveitar a família, afinal, estamos “mais tempo na terra do que nos falta para deixá-la”
Pessoal
O terceiro fator, o pessoal, é em junção com os dois anteriores. Uma pessoa pode ser jovem e os fatores externos não o influenciarem muito para que sua preferência temporal seja alta, mas ele é promiscuo e não liga muito para seu futuro. Essa pessoa é como uma criança e só quer aproveitar ao máximo seu dia.
Portanto, essa pessoa está mais fadada a viver uma vida inteira tendo uma baixa renda. Essa baixa renda não é fruto de falta de investimentos do governo, mas por sua preferência temporal alta e a falta de cautela com a vida em geral.
Processo de civilização
Então agora vamos partir para o conceito de processo de civilização. Ele é bem assim: quando menor for a preferência temporal de uma população, maior serão seus rendimentos futuros. Por exemplo, se você ganha um salário mínimo e só consegue pagar suas contas, você é um ferrado.
Depois dessa conclusão perfeita, vamos usar você, um ferrado, para entender Hoppe. Ele diz que se você deixar de ser um ferrado e começar conseguir economizar, investir e empreender, terá uma maior renda no futuro. Este é o “menos-ferrado”. O menos-ferrado agora terá uma melhor possibilidade de economizar, poupar e empreender.
Digamos que faça isso há algum tempo e em poucos anos consiga ter uma boa vida financeira. Nesse ciclo você conseguirá ter uma vida próspera. Agora expanda isso e chame “ferrado” de “brasileiros” e seja feliz no processo de civilização do Brasil. Quanto menor a preferência temporal de um povo, mais próspero econômico e socialmente ele é.
Propriedade e governo
No início, só havia terra e trabalho. A única forma de produzir algo da natureza não foi esperando que ela viesse até nós. Portanto, a ação humana transformou a terra em coisas. Uma batata só pode virar várias batatas se alguém as plantar para que o resultado esperado aconteça.
Assim, quando o ser humano sai de sua bestialidade e sua preferência temporal diminui, ele pensa no futuro e suas ações são calculadas de acordo com os frutos que algo pode gerar, como o plantio de uma batata.
Negligências à propriedade privada
É bem óbvio que ninguém produz algo na intenção de lhe causar algum maleficio. Se alguém produz algo, é para seu próprio benefício. Nesse sentido, podemos entender que interferências neste processo mudarão suas expectativas sobre o futuro. Negligências ou furtos, por exemplo, mudam a expectativa sobre o futuro de quem quer que tenha vontade ou capacidade de produzir.
Todavia, se num determinado bairro tudo é calmo e não existe problemas com criminalidade, as pessoas dificilmente vão gastar dinheiro com cercas elétricas, armas para se proteger ou comprar um cão para tomar conta do quintal. Invés disso, irão comprar melhores roupas, investir na educação de seus filhos, comprar melhores carros ou mesmo poupar e comprar ações, por exemplo. Por fim, está aí o processo de civilização.
Ao contrário, se o bairro tiver indícios altos de criminalidade, invés de bairro crescer econômico e socialmente, investirão muito dinheiro em cercas elétricas, armas ou que quer que seja para se proteger de bandidos. Está aí, portanto, o processo de descivilização, onde pessoas estão cada vez menos propensas a crescer econômico e socialmente.
Governo
Certamente você entendeu que bandidos aumentam a preferência temporal, mas vamos mais fundo (lá ele). Já parou para pensar sobre o que consiste todas as ações do governo? Quando o governo te chama de contribuinte, você é roubado. Assim, você não pode comprar armas, fazer cercas elétricas ou quaisquer coisas que te possibilitem se defender destes ataques. Afinal, é tudo para o bem geral.
Pensando assim, Hoppe diz que em uma sociedade com preferência temporal alta, existem maiores chances de mais pessoas virarem alcoólatras, agressores ou traidores. Isto é o que falamos anteriormente sobre a relação entre preferência temporal e renda. Quando as pessoas têm o direito de se defender, o fazem e ao longo do tempo melhoram sua capacidade técnica de proteção, comprando seguros, melhorando suas armas ou comprando mais. Ao contrário, quando não conseguem ter esse direito, são escravizadas e sua preferência temporal sobe.
Portanto, agora é só entender que o governo é exatamente o contrário disso. Ele te rouba, mas sem o cavalheirismo que um ladrão comum tem. Come seu rabo, mas antes, diz que te ama. É cínico e, como todo agressor, diz que é culpa sua e que sem ele você não sobreviveria.
Mas existem dois tipos de governo: monárquico e democrático. E afinal, qual deles é pior?
Estado
Definitivamente, todo estado necessita viver em constante expansão. No processo de expropriação dos estados não pode haver concorrência. Dessa forma, chegaria um dia em que não existiria mais o que expropriar. Todo estado, portanto, age a fim de aumentar a preferência temporal e colaborar com o processo de descivilização.
Ademais, a formação de um estado é, antes de democrática, pessoal. Assim, aos indivíduos que, por algum feito que lhes deram crédito, ganharam destaque na sociedade, foram os que primeiro se firmaram como detentores de privilégios monopolísticos e formaram os primeiros estados.
No entanto, podemos perceber que os governos democráticos só são defendidos pela impressão de que não existem privilégios como os dos reis. Em razão da dita rotatividade dos que estão no poder, existem administradores que só estão lá para fazer o melhor para a sociedade.
Propriedade privada governamental
O poder é algo importante para analisar a diferença entre os governos monárquicos para os democráticos. Quando se tem poder, o estado consegue impor suas vontades pela força ou pela ameaça da força. No entanto, o povo, a maioria, é quem realmente tem o poder, e a manutenção do poder só é possível se a opinião pública for favorável ao governo. Longe disso, revoltas serão inevitáveis.
Quando não se tem mais autoridade, que é influência sobre as pessoas ao seu redor ou alguma concordância com os atos tomados, a força é usada. Quando esta última não funciona, acaba-se os governos monopolísticos em razão das revoluções.
Hoppe defende a ideia de que as monarquias como ditas aqui, acabaram na Primeira Guerra. Igualmente, as monarquias existentes são mais parecidas com democracias de hoje que monarquias absolutistas dos tempos antigos.
Certamente que a diferença única de um governo monopolístico para um democrático é que o monopolístico usa toda sua expropriação para o enriquecimento privado. Em razão disso, pode vender, alugar ou até mesmo passar para seus filhos as riquezas roubadas. Assim, ele pode aumentar impostos e ter mais riqueza. Em contrapartida, isso fará com que a riqueza da população diminua, a preferência temporal suba e tenha menos riquezas futuras para serem roubadas.
Monarquia
Vamos agora falar especificamente dos governos monárquicos. O sistema tributário de uma monarquia que vise crescer é, geralmente, com impostos baixos. O governo nunca zera esses impostos, mas ele tende a ser baixo porque quanto menor for a taxação, menor a preferência temporal, e o processo de civilização tem menos problemas. Maior o processo de civilização, mais riqueza o povo tem e mais o governo pode roubar.
Em nota, Hoppe assinala a citação de que as taxações nas monarquias não subiram sistematicamente até metade do século XIX, sendo elas entre 5 e 8%. Hoje, após séculos de democracia, estamos pagando 49% de imposto sobre a gasolina, não é? Fique calmo, mais tarde você vai entender o porquê.
O governo, no entanto, invés de apenas confiscar bens, optará, também, por empregar seus recursos em atividades “normais” para gerar mais riqueza para seu reino. Na monarquia, no entanto, com sua peculiaridade, para conseguir maiores riqueza entra em guerras ou anexa territórios. O rei tenderá a preferir ir pela via da diplomacia, vide que a guerra demanda maiores recursos. Se a guerra for perdida, o reino perde riquezas, vidas são ceifadas – que poderiam ser mão-de-obra – e aos materiais necessários para o combate também são perdidos ou desgastados. Percebe que uma monarquia é quase como uma empresa?
Democracia
Por outro lado, agora temos os governos democráticos. Deste lado da moeda, essa ambição por territórios e riquezas não é tão nítida. Na verdade, invés de existir um rei que expropria e concede privilégios aos seus familiares ou aos nobres, os governantes (ditos governantes temporários), usam o máximo de privilégios que possuem enquanto estão em seus cargos. Todavia, a ideia de que a transição da monarquia para a democracia foi algo bom vem da teoria de que qualquer um pode virar classe governante, inclusive presidente.
Assim, a consciência de classe não é mais nítida e a aprovação pública dos impostos é que agora todos governam. Ou seja, agora cada um governa a si mesmo. Por essa mesma razão, os impostos tendem a aumentar. O governante atual, dessa forma, não se preocupará com a população como o rei que continuará, até sua morte, se apropriar daquele povo.
Em contrapartida, o governante democraticamente eleito aumentará impostos, usufruirá de todos os benefícios possíveis e poderá ser até mesmo reeleito. Afinal, caso não seja, que consequências ele terá? A ex-presidente Dilma, por exemplo, causou uma enorme crise econômica no Brasil entre 2014 e 2016, sofreu impeachment e agora vive sua vida normalmente. Qual foi a punição para ela? Se fosse um rei, como foi o caso de Nicolau II na revolução de 17, provavelmente ela pensaria na segurança de sua própria vida ou de seus familiares.
Tendência da democracia
Acima de tudo, esta tendência das democracias da irresponsabilidade com o dinheiro roubado, é mais que uma simples falta de responsabilidade com o que não é seu. Digo isso por que agora o dinheiro roubado é chamado de “nosso dinheiro” invés de dinheiro do rei. Dessa forma, se faz mais que necessário o gasto desenfreado do dinheiro estatal com infraestrutura, auxílios, etc. O governante atual usará de todos os recursos possíveis para enriquecer a si mesmo e para conseguir ganhar votos para as outras eleições.
Essa tendência quase que necessária que passa a fazer parte do governo é favorável ao processo de descivilização. Hoppe argumenta que, inclusive, as famílias são prejudicadas pelo bem-estar social. Quando um casal não tem mais a necessidade de administrar suas finanças para ter tranquilidade em sua velhice, não irá querer ter mais filhos ou serem responsáveis.
Assim, mais uma vez, segundo o autor, apenas pelo fato de o governo existir – principalmente, mas não só, pelas democracias – o processo de descivilização se faz cada vez mais forte em nossa sociedade.
Retrospectiva e Perspectivas
Então vamos fazer uma breve recapitulação de tudo o que vimos hoje: quando não assaltadas ou burladas, o processo de civilização faz com que as pessoas tendam a acumular bens duráveis e de capital, além de poupar e investir. Todavia, tendo direito de se defender, esse processo não será tão fortemente afetado, sendo apenas necessário a utilização de algum esforço para melhorar estas defesas.
Assim, quando os roubos são institucionalizados pelo estado e não se pode se defender, é quando o processo de descivilização se intensifica. É evidente, portanto, que apenas com a existência de uma instituição que burla todos os preceitos de defesa a propriedade privada, é que se tem o processo de descivilização nos níveis atuais.
Em comparação, os governos monárquicos, pelo que já foi apresentado anteriormente, não se tem tanta força para corromper o processo civilizatório. Pelo contrário, nas democracias, onde os poderes de deturpação são são muito mais incentivados, o processo de descivilização tende a ser maior.
Finalmente, Hoppe termina o capítulo com a seguinte observação:
“Em última análise, o curso da história humana é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas. Assim como os reis não podiam exercer o seu governo a menos que a opinião pública o aceitasse como legítimo, os governantes democráticos também são igualmente dependentes da opinião pública para sustentar o seu poder político.
É a opinião pública, portanto, que deve mudar para que o processo de descivilização seja impedido de completar o seu percurso. E, assim como a monarquia foi uma vez aceita como legítima, mas hoje é considerada uma solução impensável para a atual crise social, não é inconcebível a ideia de que o governo democrático possa algum dia ser considerado moralmente ilegítimo e politicamente impensável.
Tal deslegitimação é uma condição necessária para que se evite a máxima catástrofe social. Não é o governo (monárquico ou democrático) a fonte da civilização humana e da paz social, mas sim a propriedade privada – bem como o reconhecimento e a defesa dos direitos de propriedade privada –, o contratualismo e a responsabilidade individual.”
Espero que tenha gostado. Te vejo no próximo capítulo.